De quantas gavetas você precisa?

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De quantas gavetas você precisa?

Há algumas semanas fiz uma palestra para jovens de escola pública, sobre como podemos transformar a realidade por meio do trabalho, e juntamente com a experiência incrível de estar com eles e trocar experiências, fiquei encantada com os armários de aço que haviam no fundo da sala de aula, pensei rapidamente de forma comparativa que na minha época não tinha, e a gente via nos filmes americanos que passavam a tarde como era empoderador ter um armário com seu nome na portinha. O tempo passa e os armários ficam, até mesmo os que a gente não teve. 

Acredito que a maioria das pessoas gosta de guardar coisas, objetos, souvenires, papel e cartão de presente, lembrancinhas, fotos antigas, álbum de figurinhas, o convite da festa que não fomos, o projeto procrastinado, o boleto pago de algo que nem precisávamos, a receita de comprimidos que não tira a dor de nada, o livro que paramos na página 27, o manual e a garantia que nuca lemos, pilhas velhas e tudo mais que que couber. 

Recebi uma propaganda de guarda roupa modulado que ressaltava a quantidade extra de gavetas, a sua profundidade e largura como um diferencial essencial para a rotina. Uma verdadeira maravilha para os gaveteiros, assim como eu! A indústria das gavetas está super avançada, com corrediças telescópicas, divisórias avulsas, fundos reforçados, puxadores personalizados, tem sem puxador também, do tipo que faz click e abre, tem com chave, com senha digital. É uma infinidade de opções.

Recomendam-se guardar boletos pagos por até cinco anos, há uma certa discussão em torno disso, mas com certeza para aqueles que amam guardar, essa informação é seguida à risca. No início o intuito é deixar tudo separado e organizado, mas sem perceber as gavetas vão criando vida e quando vemos tudo vai ficando por lá.

O pouco que li sobre Feng Shui foi taxativo quanto às gavetas! Afirmam que lá, pode ficar parada uma energia negativa, devido ao acúmulo de itens. Posso dizer empiricamente que limpar e esvaziar gavetas parece tornar o dia mais leve e produtivo. A sensação do vazio e do espaço livre é realmente excepcional e libertadora.

Certa vez ouvi um senhor dizendo para a repórter em uma entrevista que após a enchente o que ele conseguiu salvar era só uma gaveta com o que tinha de mais importante, e que no momento de desespero ele pegou a gaveta, procurou o lugar mais alto e ficou lá, até a tempestade passar e a água baixar, e que de acordo com ele, ali estava tudo o que lhe restou para recomeçar a vida.

Durante nossa trajetória, a gente vai compondo a nossa gaveta com fragmentos do cotidiano que a gente não quer perder, com um pouco de tudo que nos serve como definição. Se os criados mudos falassem, muitas histórias de amor, ódio, solidão, saudade, arrependimento, remorso… seriam reveladas. A gaveta serve para tudo, até para guardar a dor! 

Gavetas são ótimas, multifuncionais, guardam a gente da gente mesmo. Podemos perder horas remexendo e revivendo momentos eternizados ali. Essa relação passa a não ser positiva quando a gaveta física dá lugar a gaveta mental.

Assim como o senhor que preservou sua gaveta durante a tempestade, como sendo o último pedaço de tudo que o identificava e formava sua história, vamos formando uma gaveta interna que nos salva de maneira ilusória de tudo e de todos. Como se ali pudesse ser guardado tudo aquilo que nos preserva.

Nesta gaveta vamos colocando a mágoa, o perdão que não concedemos, o segredo que mudaria tudo, a lista gigantesca de resoluções para o ano novo, uma outra lista de tudo que não podemos esquecer, junto com o que gostaríamos de esquecer para sempre.

As gavetas, as pastas do computador, o bloco de notas do celular, os armários de metal da escola, a caixinha sobre a cômoda, o porta luvas e malas do carro, a bolsa, o cofre, o e-mail, o desktop online, o porta treco da mesa do escritório … a mente e o coração… Parece que fomos treinados para guardar e acumular.

Quando a gente muda de casa e tem que embrulhar e encaixotar os pertences, nos damos conta de tudo que a gente guarda e nem sabe mais o motivo. Deve ser por isso que muitas pessoas dizem que mudar cenários e situações é uma forma de livramento, de descarte de velhos hábitos, tristezas de estimação, crenças arraigadas, pessoas pesadas e sentimentos empoeirados.

Voltando aos orientais, e suas gavetas vazias, nos deparamos com a conclusão tardia de que ser feliz, livre e evoluído é de fato nos livramos de gavetas que pesam, que entortam os móveis e a coluna.

Sinceramente não consigo viver sem gaveta alguma, tem coisas que ainda faço questão de guardar, no entanto, tenho aprendido a esvaziar gavetas velhas, aquelas que ficam abaixo de todas, que a gente quase nunca abre e que não fazem diferença para a rotina produtiva. Limpar gavetas me faz refletir, é uma ótima ferramenta para mim. 

De forma prática sempre precisaremos de gavetas, o segredo é saber como vamos ocupa-las e qual é o momento certo para esvaziá-las.

O que você tem guardado em suas gavetas internas?

Qual é a gaveta imaginária que tem te preservado de enfrentar as tempestades?

Se você fosse recomeçar sua vida hoje, quantas gavetas você iria carregar?

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